BC - Dia dos Namorados Escritos Lisérgicos: Cartas para Julieta.

Querida Julieta,

Cresci ouvindo muitas fábulas sobre príncipes encantados e princesas deslumbrantes. Minha mãe carinhosamente me chamava de princesinha e falava que um dia chegaria o tempo em que eu conheceria um príncipe por quem iria me apaixonar. Na minha cabecinha infantil, imaginava como seria esse príncipe e de qual reino ele viria. Entretanto, lembro que essas dúvidas eram logo deixadas de lado, pois por mais que eu fosse uma criança encantada pela magia dos contos de fadas, a realidade dos casais ao meu redor era bem diferente de tudo o que ouvia e lia nos livros.

Os reis e rainhas do meu mundo real eram casais problemáticos com relacionamentos complicados. Os vizinhos do lado, padrinhos, tios, amigos dos meus pais e até mesmo os meus  pais,  por vezes e quase sempre brigavam muito e por tudo. Meu pai era um homem muito ciumento e minha mãe é dessas que não dá o braço a torcer.

Quando a briga começava, além de sofrer, eu me lembrava da princesa e do príncipe que mamãe falava e então percebia que todo aquele encantamento era fantasia. O tempo passou e continuei acompanhando as histórias de amor dos filmes românticos e adorando a Branca de Neve, que é o meu conto preferido até hoje, mas nunca sonhei com príncipe encantado e nem criei expectativa sobre relacionamentos ou casamentos perfeitos.

Leia bem, querida Julieta, eu estou dizendo que nunca sonhei com príncipe e que nunca fantasiei o amor do “e foram felizes para sempre”.  Entretanto, acredito na energia do romantismo e no amor. E sabia que um dia casaria com alguém por quem eu seria completamente apaixonada. Um homem bondoso, que gostasse de conversar, amigo e companheiro. Acreditava nisso e assim aconteceu. Não como nos contos, e claro, nem poderia, caso contrário eu teria corrido dele feito diábo da cruz. Primeiro surgiu a amizade e a convivência só aumentava a admiração por alguém inteligente, bem humorado e amigo generoso.

Não era um conto de fadas, era melhor. E assim, casamos. Meu casamento é de verdade.  Tem toda a doçura e bom humor do "love’s in the air", tem a paixão e o tesão necessários num relacionamento e tem também a rotina e o cansaço da correria do dia a dia. Aquela que faz a gente desabar na cama, dar um “boa noite” e cair em sono pesado. Tem briga por controle remoto e pela pelada com os amigos no domingo de manhã e tem as preocupações com as viagens de trabalho e despesas da casa. Tudo amarrado pela vontade de superar os problemas e seguir junto, pelo respeito e admiração. Amor pra mim é isso.

E nessa certeza que por enquanto sigo, fico imaginando na quantidade de pessoas que conheço que “sofrem por amor”. Pessoas que choram e continuam tentando conviver numa parceria conturbada, pelo terrível medo da solidão.  Minha praticidade é fria demais para aconselhar um coração que chora e lamenta o final de um casamento tóxico e egoísta. Qual conselho daria a Julieta, que viveu atropelos e lágrimas de um romance complicado e morreu por conta disso? Valeu todo o sofrimento? Vale, de verdade, investir e insistir num relacionamento doloroso? Explica melhor porque isso eu não aceito.

Beijos,

Selma.